terça-feira, 4 de agosto de 2009

Queremos saber.

Um pensamento circular tem assombrado as minhas manhãs. Há muito tempo eu já pensava em comentar algo sobre a escrita em ambientes virtuais. A ‘www’ é um buraco negro que suga a nossa vida como um turbilhão. A internet é anti-matéria em estado puro.

Escrevo coisas que só são importantes porque estão escritas, mais nada. Pedaços de mim estão espalhados aqui por toda parte. Ali, naquele canto direito (abaixo), por exemplo, onde fica o arquivo do blog, no mês de junho constam onze postagens. Os títulos já não aparecem mais. É como um baú que se fechou com antigas cartas nunca enviadas para ex-paixões do colégio no interior. Eu trouxe o mundo para esse baú. Portanto, também sou responsável por fazer da internet a maior lixeira de vida que os seres humanos foram capazes de inventar.

Imagine alguém, pode ser eu mesmo, revisitando arquivos do mês de junho de dois mil e nove, no futuro em que talvez tenhamos no mundo virtual a nossa vida principal, e lendo lá coisas sobre meu quarto tal como ele é hoje; sobre a rodoviária de euclides da cunha; sobre a janela do ônibus a caminho de monte santo. Não existe critério algum para a escolha entre escrever sobre um café amargo que tomei domingo a noite ou as cenas inacreditáveis de Lawrence de Arábia, que reassisti ontem.

Lixo. Minha vida aqui se soma à essa imensa lixeira virtual. E agora, com o twitter, já posso jogar no lixo pensamentos fortuitos ainda mais fragmentados do que os deste blog. No futuro, quando quiser saber quem fui agora, poderei revirar o lixo e tentar encontrar nestes fragmentos os vestígios desse passado perdido no tempo virtual. Chico Buarque diria que decifrar os ecos destas antigas palavras é tarefa vã. O eu que me lê no futuro, entretanto, é que terá que preencher os vazios com mitos do que fui. E então, já não saberei quem sou, mas o que acho que fui.

Hoje pela manhã pensei que o google certamente vai falir e talvez esse blog seja extinto para sempre. Eu não tenho banco de arquivos no word. Senti frio. Será isso mesmo? Melhor não deixar pistas? (...) Mas, talvez, por puro deleite de abrir uma brecha no tempo para falar comigo noutros planos, eu faça um backup do conteúdo do provocações. Ou seria melhor imprimir?

4 comentários:

  1. "No futuro, quando quiser saber quem fui agora, poderei revirar o lixo e tentar encontrar nestes fragmentos os vestígios desse passado perdido no tempo virtual."

    Eu faço a pergunta: será que, a partir do momento em que a "provocação" acima perpassa sua mente, você passaria necessariamente a agir em prol do seu futuro, ou seja, agindo artificialmente para forjar um "eu passado" que seria relembrado no futuro?

    Eu faço a segunda pergunta: será que o seu futuro (e talvez sua vida) não estaria irreversivelmente condenado por você só pensar nele como um "momento de relembrar o passado"?

    Eu faço a terceira pergunta: será que, enfim, nada em nossa vida jamais será 100% autêntico, pois, como disse um professor chato, assumimos um persona completamente diferente assim que deixamos os portões de nossas casas?

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  2. Todas essas questões se confundem um pouco quando penso sobre escrever aqui, por isso a provocação. Mas enfim.

    Primeira resposta: pelo menos até escrever este post, me preocupo bastante em falar sobre o agora da forma mais sentida como "agora" possível. Não sei daqui por diante.

    Segunda resposta: não penso muito no futuro. Hoje pensei nele dessa forma porque achei esta possibilidade engraçada.

    Terceira resposta: acredito que na vida estamos condenados a uma série de coisas. por isso é que eu vivo tentando pular os muros, mas sempre me pegam na reincidência. fazer o quê? pular o muro de novo. isso pode ser uma das faces daquilo que aquele cara alemão chama de eterno retorno.

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  3. Acho que pensar ou não no futuro é indiferente. Mais que uma projeção metal, o futuro é uma vozinha intermitente que, aleatoriamente, assume tons imperativos. Não sei se escrevemos por outra coisa senão pelos conselhos do futuro.
    Uma antiga história japonesa reza que, num vilarejo isolado, vivia um ermitão que passava as longas horas de solidão escrevendo. Ele era um caligrafista habilidoso, e o casual andarilho que gozasse da sua hospitalidade poderia admirar os esmerados ideogramas por instantes, mas não conseguia lê-los, pois o ermitção, mal finalizava seus escritos, hasteava fogo neles.
    Eu vejo esta história como uma fábula da loucura (ou da santidade, para quem acredita em Deus). A internet - os blogs, o twitter, etc - de acordo com o que diz maurício (não diz?) é uma atualização do mesmo tema.

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  4. "Bem-vindo ao Deserto do Real".

    [alguns pensamentos lacônicos.]

    Se espalhar em mil pedaços (aqui e ali, nos chats, blogs, sites) não seria o recurso paradoxal mais atual para nos sentirmos vivos? Quem sabe, seja essa a nova faceta do instinto humano de se perpetuar, vivendo para além dos limites do tempo? A escrita se inscreve no rol dessa disposição tão antiga.

    Ou, talvez, como uma droga, tal recurso não proporcionaria reações efusivas, na tentativa de criar uma outra realidade e, assim, aguçar nossos sentidos para desnudar essa realidade não-virtual na qual estamos imersos?

    Imersos. A busca por uma identidade [encontrar limites para o Eu no meio do caos], as reações rápidas contra a apatia e o sem-sentido da vida moderna são características presentes na juventude do nosso tempo.

    Ultimamente não tenho conseguido ultrapassar esses pensamentos lacônicos e isso me angustia. Esse mundo [turbilhão] aqui se torna uma fuga ou será ainda um recurso? Não consigo anular uma coisa e outra.

    A imagem que me vem em mente é a de um calabouço, no qual estamos todos presos. Em celas separadas, não nos enxergamos - como num panóptico. Só escutamos os nossos gritos. No entanto, a diferença fundamental entre essa prisão e o panóptico é que não só o controle foge das nossas vistas; ele parece ser de todos e de ninguém.

    Li recentemente [na internet] que os brasileiros são os que mais visitam os twitters.

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