quarta-feira, 17 de junho de 2009

O Quarto.

O meu quarto tem banheiro e isso representa, de forma geral, um protesto pela manutenção de um mínimo de conforto material. Não gosto da miséria nem tampouco da estética oriunda dela enquanto idealização de aproximação pessoal de um modo de vida que hoje não preciso manter. Não é retornando aos desmandos impostos pelas necessidades primárias que pretendo tentar compreender as pessoas, o mundo e o meu papel dentro dele. O pouco – mas conforto – que exijo integra uma concepção de que ele é necessário para manter certa tranqüilidade no fazer e pensar as coisas, não necessariamente nesta ordem.

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O quarto não é somente o lugar em que minha individualidade se impõe na minha casa, na qual os espaços públicos contemplam tão bem a síntese da nossa pequena sociedade doméstica; é o ponto convexo oposto ao côncavo da minha relação com o mundo e com as coisas do mundo. É onde o meu lugar no mundo exterior também está representado, como nos livros à esquerda do computador portátil no qual escrevo, mas o está fundamentalmente em relação com um conjunto de outros mundos que, de alguma forma, refletem o estado de espírito do meu momento.

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O meu quarto é amplo o suficiente para visualizar com clareza, de qualquer ponto em relação a ele, a forma como esses mundos que hoje compõem o meu modo de ser se relacionam. Sobre a mesa de estudos está este computador portátil, adquirido de terceira mão e defasado tecnologicamente, contudo, eficiente como meio de me fazer expressar com a precisão que almejo. Atrás do computador portátil, recostado na parede, um LP de Elomar Figueira de Melo, ilustre cantador das trovas do sertão. Os livros ao lado esquerdo, citados anteriormente, fazem parte de um universo que poderia chamar de “pesquisas aplicadas”. Reforma agrária, comunidades tradicionais, teorias progressistas do direito, entre outros semelhantes, se empilham em fotocópias cujos textos estão frequentemente grifados e, vez ou outra, comentados com caneta azul.

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Do lado direito, estão empilhados três livros que representam o meu deleite e o meu prazer em perceber como é possível pintar, compor, criar outros mundos a partir da literatura. Sem ela - e sem a arte de um modo geral - o mundo seria tão monótono que a vida tão logo se tornaria insuportável na terra. O primeiro, sobre os outros, mas não necessariamente em ordem de importância, a Arte de Escrever, de Shopenhauer, que tem me feito compreender a importância de ter clareza de idéias no momento da escrita; As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino, que representa em mim a possibilidade de perceber o mundo enquanto narrativa fantástica e ao qual sempre recorro nos momentos derradeiros de produção intensa e autônoma de pensamentos; por fim, as Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa, que representam a síntese, que considero encantadora, entre os meus mundos, os mundos de Shopenhauer e as cidades-mundos de Calvino. Estas três obras sobre a minha pequena mesa de estudos representam com algum êxito a minha atual proposta de contato com o mundo literário.

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Abaixo delas, alguns textos fotocopiados – que pretendo utilizar no último capítulo da minha monografia – aos quais ainda não me dediquei sistematicamente. Eles fazem parte de uma teoria, a meu ver, bem intencionada, mas que ainda me soa extremamente duvidosa. Neste último capítulo do trabalho abjeto que entendo ser a minha monografia, pretendo abordar as tendências do multiculturalismo no estado contemporâneo com muita desconfiança do êxito dos seus propósitos. Isso reflete uma opção muito bem pensada de não ovacionar tão efusivamente e gratuitamente o que entendemos como “avanços” do direito na atualidade. No mundo limitado dos auto-proclamados operadores do direito, esse festejo eterno pelos avanços da constituição é imbecil e patético. Prefiro, entendo como mais honroso, prazeroso e útil, refletir e pensar sobre o que entendemos como “avanços” da contemporaneidade a partir da perspectiva dos seus possíveis efeitos colaterais no futuro até o ponto em que alcança a minha capacidade de projetá-lo.

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