segunda-feira, 13 de julho de 2009

Chuva em Canabrava.


Sempre que chego a Salvador desperto antes da brasilgás e vejo aquelas casas suburbanas dependuradas em morros. Não sei bem o que representam em mim. Outro dia passava por ali ouvindo 'gente humilde' (de chico e jobim) no mp3 e quase chorei. Mas elas são muito menos que isso. Talvez uma imagem apenas. Eu, que vivo entre a Pituba, Rio Vermelho-Barra, MAM e Teatro Castro Alves, as vejo como um anexo obscuro de uma cidade que parece bastar a si mesma nesse roteiro que descrevi. Nós passamos por ali, e de repente elas desaparecem e abrem espaço para a grandiosa capital da Av. ACM, Iguatemi e Igreja Universal.


As pessoas ficam lá.


Sempre que penso num soteropolitano típico localizo-o entre os freqüentadores do jazz do MAM e os tomadores de tequila dos barzinhos de plástico da Pituba. Mas que maioria é aquela que mora pelos calabares, pelos subúrbios ferroviários?

Hoje, a caminho da paralela, tomei uma rota de fuga dos engarrafamentos por dentro daquele enigma. É enorme. Aquilo que da BR 324 parece um cenário, tem um recheio de gentes vivendo e mais casas de blocos à mostra.


Becos, vielas, escadarias, bananeiras.


Bares improvisados em salas de estar, cadeiras brancas e cerveja no balcão. Um jogo de baralho, um grito estridente, muitas tv’s ligadas, carros na contramão. Sempre desconfiei disso, mas estar ali é muito diferente. Como deve ser olhar a chuva dali de dentro? Como deve ser não sair de casa sem enfiar o pé na lama ou correr o risco de escorregar beco abaixo? Como deve ser ter um quarto com a janela para um barranco prestes a desabar? Como deve ser a felicidade ali?

Passava pelo lado de dentro do vidro do carro e pensava se havia na UFBA algum grupo de pesquisa que elaborava um projeto de intervenção ali. Eu duvidei porque acho que o pessoal da Ufba sempre tem muito mais o que fazer. A Salvador que vivo parece ser mais feliz ignorando aquelas outras cidades tão Salvadores quanto.

Eu no MAM,
eu na Concha,
eu no Mar.

Uma tarde em Itapoã,
um pôr do sol no Farol
Ferreira Gullar

O poeta,
por certo, indagaria:
quantas tardes há na Cidade da Bahia?

4 comentários:

  1. Maurício,

    Esse seu post ficou latejando na minha cabeça. Eu, praticante da saudade. Não sei quanto ao menino que você era lá pela 80's ou 90's, mas eu ficava encantada de chegar em Salvador. E chegar em Salvador era passar pelo "cenário" - e imaginar o presépio, e, mais tarde, me imaginar descendo uma ladeira daquelas com Jubiabá ao meu lado. E imaginar.
    Hoje passo ali procurando placas, objetiva, certeira: direita, esquerda, novamente direita. Verde, Paralela. Salvador. Triste. Você me arrasou hoje.

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  2. Jamille

    Perdão pela demora em publicar. Minha caixa de e-mail está abarrotada de coisas da comissão de formatura e não tive tempo de olhar as mensagens esses dias.

    ***

    Fiquei triste por arrasar seu dia, mas satisfeito por ter provocado alguma coisa. Eu conheci salvador já adolescente.

    (como nasci mais para o sul da bahia, é comum conhecermos são paulo primeiro)

    Foi um choque ao ver aquilo pela primeira vez. Me perguntei: ué? isso aqui a gente não vê pela televisão... (naquele tempo não tinha varela nem se liga bocão)

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  3. “Barzinhos de plástico da Pituba”

    É isso mesmo, perfeito. São sempre barzinhos descartáveis, da moda. Que inauguram e fecham as portas de acordo com as férias escolares e universitárias.

    Falando pela parte da UFBa que eu vivo, que é a faculdade de Arquitetura e Urbanismo, a academia despreza esse modismo da Pituba e venera o Centro Histórico da Cidade.

    A identidade cultural do centro histórico, os sem teto no centro histórico, os pontos de crack do pelourinho e na Ladeira da Preguiça, os cortiços, os casarões em ruína, a sujeira na Feira de São Joaquim, a prostituição na Ladeira da Montanha ou até uma sujeirinha na fachada do Palácio Rio Branco (que agora está em reforma).

    E daí vêm os muitos livros, artigos, palestras sobre o Centro Histórico, seus problemas sociais, as questões formais e os tantos projetos não realizados (para muitos deles AINDA BEM!).

    E sobre aquele pedação da cidade ali, aquele que você viu de dentro, nada. Nem problemas listados nem projetos não executados. Desconheço.

    Ali tem que identidade cultural mesmo? Qual é mesmo o nome? Sou ignorante mesmo, não faço idéia. Sei que Cajazeiras VI e mais um tanto de bairros-conjuntos-habitacionais do período de decadência do modernismo estão ali. É tudo que sei.

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  4. Vou colocar aqui o link que coloquei no seu orkut com a observação: "eu juro que odeio ter razão":

    http://www.atarde.com.br/cidades/noticia.jsf?id=1191114

    agora repare nos comentários da matéria. como uma "simples" reforma no centro histórico bole no cognitivo dos soteropolitanos...

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