quarta-feira, 1 de julho de 2009

Eu's.

Outro dia aceitei a provocação de um filósofo esloveno ao ler que a apreensão da filosofia oriental pelo ocidente havia sido um desastre total. Slavoj Zizek diz que enquanto no oriente o princípio básico da paz interior, mediada por meditações e técnicas de auto-conhecimento, servem ao objetivo final da destruição do próprio “eu”, no ocidente esse princípio foi assimilado justamente com objetivo oposto, ou seja, a reafirmação absoluta do “eu”. É evidente que essa apreensão do “eu” enquanto totalidade acaba tendo por conseqüência o negligenciamento e a irresponsabilidade com as coisas do mundo (já que o “eu” simplesmente sublima nele próprio o que é exterior). Mesmo que sem nenhum compromisso em cartório com Hegel ou com seus pupilos, entendo ser perigoso querer enterrar a dialética de forma tão vulgar.

Essa onda de “orientalismo”, que veio desaguar na avalanche de livros de auto-ajuda nas vitrines de livrarias de shoppings, coloca o ocidente diante de questões éticas que essa redução do mundo ao “eu” está muito longe de resolver.

Sem meias palavras, essa “filosofia” híbrida disseminada pelos manuais de auto-ajuda se encaixa como uma luva em uma sociedade na qual o consumo assume um papel cada vez mais central na vida das pessoas. Como diz Hannah Arendt, citada no meu Orkut, uma sociedade que estabelece como parâmetro de ação o ato de consumir jamais será capaz de cuidar do mundo simplesmente porque o fundamento último da atitude do consumo é destruir tudo o que toca. Neste sentido, as representações do Estado e dos “mercados”, atualmente, não querem nada mais do que o indicado por Foucault: corpos dóceis e manipuláveis. Dessa forma, resolvidos os problemas morais no âmbito exclusivo da interioridade do indivíduo, estando ele em paz com a consciência, não resta nada mais a fazer que matar o tempo shoppeando nos corredores do Iguatemi (perdão, Boulevard).

No sentido de concluir, academicamente falando, se percebo isso que chamei de "orientalismo" como um mergulho na mediocridade e no maniqueísmo, tampouco me satisfaço com a noção da diluição do “eu” numa cegueira coletiva. Se anulo a minha individualidade no mundo, a chance de me transformar num corpo dócil é tão latente quanto o inverso. Primeiro, porque entendo ser um crime lesa-humanidade alguém abrir mão da riqueza que é a particularidade do seu ponto de vista. Segundo, porque somente nos compreendendo em relação ao mundo (e isso só é possível se existe um “eu”) é que podemos definir os parâmetros da nossa ação dentro dele. E ponto.

Um comentário:

  1. Não, não tenho nada a dizer; ninguém tem nada a dizer, nada nem
    ninguém exceto o sangue,
    nada senão este ir e vir do sangue, este escrever sobre o já escrito
    e repetir a mesma palavra na metade do poema,
    sílabas de tempo, letras rotas, gotas de tinta, sangue que vai e vem
    e não diz nada e me leva consigo

    ResponderExcluir