domingo, 19 de julho de 2009

Diário de Bordo.

Canudos, 18 de julho de 2009. Acordamos, Juliana e eu, prontos para encarar duas comunidades na zona rural de Canudos. Eu, para apresentar o projeto de assessoria em que trabalho, ela, para captar momentos numa Cannon da qual agora não me recordo de nenhuma especificação técnica. Nos ofereceram uma moto para chegarmos até lá. Uma Honda Tornado, 250 cilindradas, 4 válvulas. Quando acelerei pela primeira vez essa moto, pensei: fudeu! eu pilotando esse burro bravo quando estou acostumado às populares 125/150 cilindradas, que são mansas como mulas velhas.

De fato, quando fomos ao parque estadual de canudos, antes da reunião [marcada para 10 da manhã], com o objetivo de me acostumar com aquela coisa, não deu outra: no entorno do 'alto da favela', fui fazer um retorno e ela acelerou tão forte que fomos ao chão sem que eu nada pudesse fazer. Além de muito pó na calça, algumas escoriações no cotovelo e um pisca-pisca quebrado, nada houve demais. Juliana também não chegou a se machucar seriamente.

Chegamos na comunidade da Rocinha, à beira do açude Cocorrobó [que inundou a velha canudos]. Gente simpática e acolhedora, como quase sempre. São pescadores. Criam um bodinho também, mas se reconhecem como pescadores. Após a reunião almoçamos na casa de seu Luís [com aviões do forró e pisadinha como fundo musical]. Almoço simples, segundo eles. Mas comemos dois tipos de carne e eles, além de prepararem uma saladinha, tiraram o pó daqueles pratos de porcelana que ficam guardados em armários para nos servir.

Pela tarde fomos à comunidade do Angico/Barriguda. Afora alguns excessos do seu Manoel Vermelho, que tinha tomado umas antes da reunião, tudo correu bem. Na verdade, eu achava até divertido seu Manoel falar sem parar e usar quase todo o tempo para dizer que gostava mesmo era de falar. No final, vieram aqueles abraços sinceros que me fazem esquecer qualquer cansaço de fim de dia. No embalo, fomos ainda para um festival de sanfoneiros que rolava em Canudos Velha, do outro lado do açude. O clima tava bom, mas não ficamos muito. As dores da queda e o cansaço fizeram com que voltássemos para Canudos [sede] sem dançar um forró sequer.

***

Canudos, 19 de julho de 2009. Juliana teria que retornar à Salvador. A comunidade que eu iria, o Bom Jardim, ficava a 100 km de distância da sede de Canudos. Vocês leram bem: 100 km. Mas não é só. Destes, 15 km eram de areia. Funda. Precisava de um guia. Como estava de moto, infelizmente minha linda fotógrafa teria que retornar.

Todo mundo que me falava da estrada do Bom Jardim colocava na boca aquele sorrizinho maldoso que dizia: voce vai cair na areia; voce não vai chegar lá; voce é um pó de arroz da cidade e não está acostumado com isso aqui. Eu já tinha caído no dia anterior e chegar ileso em Bom Jardim era uma questão de honra. Na saída, às oito da manhã, seu Marquinho, meu guia, já disse: eles deveriam ter arrumado um motoqueiro pra te levar. Fiquei meio puto. Na verdade, bastante.

Resolvi correr só para que ele ficasse com um pouco de medo. Eu já havia domado aquela moto brava. Tinha ela em minhas mãos e um vento frio gelando o nariz. Paramos no primeiro povoado e tomamos café na casa de uns conhecidos de seu Marquinho. Quando disse que iria a Bom Jardim, mais caras se movimentavam como se quisessem dizer: Bom Jardim é Barril!

Eu já pensava que cair seria mesmo um desastre. Seria dar razão a todo mundo. Seria ter que pensar depois que em Canudos não se falaria de outra coisa: 'Eu não disse que ele ia cair?'. Fui com mais coragem que cara. Quando apareceram os primeiros areiões, fiquei meio nervoso, mas consegui me concentrar. Aliás, agora entendo o papel da 'concentração' para quem é piloto. Não dá para se distrair. Quando parei para pensar que Rubinho Barrichello deve sofrer dislexia, quase caí na areia. O pé no chão me salvou. Com mais uma dessa e uma escapada numa curva fechada, cheguei ileso a Bom Jardim. É uma comunidade linda. Tudo verde. Quase tudo. Tinha uma porção de mato com flores roxas que formavam com o verde algo como aquelas combinações de cores complementares de Van Gogh.

A reunião foi tranquila no início, mas no final perdi o controle e resolvi encerrar logo. Seria melhor captar outras impressões nas entrelinhas dos diálogos paralelos que continuar a reunião sem a diretriz que me levava até lá. Almocei na casa de um vaqueiro mui digno. Um banquete. Palitei um pouco os dentes e, antes que pensasse como seria bom cochilar na rede da varanda, gritei seu Marquinho para que tomássemos o caminho de volta. No retorno, nenhum derrapão na areia. Cheguei em Canudos às 18:30, cansado, mas sem um arranhão sequer no orgulho de quase sertanejo que fui.

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