Os viadutos são símbolos de um progresso que tomou algum atalho para longe do caminho da Feira. Fui informado que crianças levantam os braços e gritam - felizes e inocentes - ao passarem pelos viadutos. É como uma promessa cumprida. José Ronaldo gosta de promessas cumpridas. São, em verdade - e com o perdão do trocadilho, promessas compridas. Duvido que alguém consiga alcançar a vista na outra ponta. No entanto, não há sensação indescritível como quando no trânsito da Av. Getúlio Vargas deparamos, como num filme de David Lynch, com um viaduto sobre a Av. João Durval.
José Ronaldo é um gênio. Vai conseguir entrar para a história de Feira percebendo o quão simples parece a empreitada: venda ilusões a um preço caro de realidade. O viaduto da cidade nova está superfaturado de realidade; ele representa a ilusão de que Feira conseguiu chegar aonde queriam os seus cartolas dos anos cinqüenta. Como se numa remota e bela manhã, o progresso tivesse chegado em lombos de burros, numa imensa tropa de caboclos que, após cumprida a missão, retornaram para o seu universo bordado de couro e não mais empoeiraram com suas boiadas os móveis dos casarões da Senhor dos Passos. Daria um cordel: “A chegada do Progresso em Feira de Santana”.
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(Feira deveria respirar aliviada pelo fato do progresso ter se esquecido da cidade. O progresso chegou a Canudos em 1897, junto com as estratégias do Marechal Bittencourt. Se o progresso aqui tivesse chegado, não se ouviria ondas de AM nas manhãs brancas de obscuras neblinas; não haveria o odor das entranhas da cidade exalando do esgoto no Centro de Abastecimento; não haveria paralelepípedos na avenida Getúlio Vargas; não haveria vendedores de frutas no ponto de ônibus da praça da marisa; não haveria tanto emprego no ramo da pirataria; não haveria feiras que só são possíveis aqui, debaixo desse céu e em cima desse chão...)
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Uma legião de trovadores sub-urbanos cantam as feiras das madrugadas em violões loucos e desafinados. Feira é linda. É difícil decifrar essa esfinge. Os olhares estrangeiros aqui estão dentro de nós. É difícil encontrar um feirense nato de sessenta anos. Feira é uma jovem cidade feia. O ônibus do transporte coletivo de feira é verde para colorir o cinza da cidade. Há ônibus vermelho também. Verde e vermelho são as cores do fluminense e da bandeira de Feira. O Fluminense foi bi-campeão baiano em sessenta e três e sessenta e nove. De lá pra cá nunca ergueu a taça do baiano, ao que me consta. Mas é assim que eu gosto de Feira.
Desnortear-se aqui deveria ser um esporte nacional. O Brasil deveria, desde já, beber frustração dos olhos d’água de Feira e sentir uma possibilidade que o aguarda no futuro. Lagoas secas. Toda esperança será castigada. O Brasil pode se tornar uma imensa Feira de Santana. Eis a profecia. O Brasil vai ficar cinza como a fachada da igreja do senhor dos passos. Outros brasis emergirão; outros ventos noutras direções soprarão a brasa. E as Feiras de hoje, cinzas leves que serão, flutuarão nestes ventos até repousarem num velho móvel empoeirado de algum porão de museu da Cidade da Bahia.
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