quarta-feira, 22 de julho de 2009

Viração.

Estive anteontem no bar quatro estações. Como todas as segundas feiras, dia para aproveitar a bohemia dobrada, alguém tinha que bater lá em casa para me convidar para o desfrute da promoção. Duas senhoritas - ao que me consta. Uma delas conheci por caminhos diferentes que se cruzaram em alguma encruzilhada dessas comuns numa cidade como feira de santana. A outra conheci por essas coisas do acaso mesmo. Ela é amiga da primeira. Entretanto, sobreviveu ao final já sem as sombras dessa adjetivação.

Sair de casa pode ser uma aventura imprevisível. Ainda mais quando não planejamos, ou seja, quando estamos despreparados. Ontem o mundo me fez algumas supresas, preparou alguns acasos que mais pareciam coincidências, e também me pregou algumas peças. Um senhor já demasiadamente embebido de álcool, ressucitado na sequência do beber e cair, veio à minha mesa por à prova algo como a estrutura das minhas pensações. Deixei bem claro que não preciso de estruturas para pensar. Gosto de pensar com elas, mas dispenso-as quando entendo necessário. Mas, enfim, eu diria que era um grande desafiante. O mundo, entretanto, parece me subestimar. Achar que eu não saberia lidar com aquela situação foi um derrapão grave da coincidência do acaso. Me provocou, mas não me convenceu. Mas gostei, afinal, do resultado da prova.

Como eu estava sentado em frente às portas dos banheiros, era comum que o fluxo do bar confluísse naquela direção. Isso fez com que pessoas que bebiam lá fora me vissem lá dentro do bar. Encontrei uma pessoa com a qual me deparo muito raramente. Mas o curioso, disse a ela depois de um papo ligeiro, é que parece que sempre estamos pensando a mesma coisa, na sequência. Disse que o acaso, vez em quando, fazia com que ela e eu, acredito que muito apegados às nosssas casas, saíssemos coincidentemente em direção ao mesmo local, no mesmo horário.

Em outra rara oportunidade semelhante, disse a ela da minha angústia com os primeiros minutos seguintes ao momento em que desperto. Nada do que havia pensado, calculado, planejado com tanta precisão no dia anterior fazia mais sentido naquele átimo de tempo. Tudo se derretia como gelo no deserto. Ela sentia a mesma coisa e rimos à bèça. Mas eu simplesmente não sabia como lidar com aquilo. Foi que a partir de certo tempo, decidi simplesmente não pensar nessa angústia amanhecida. Decretei à Razão, ilustre soberana de mim: é proibido pensar sobre quaisquer coisas minhas nos primeiros minutos após o acordar.

Pobre razão. Já havia perdido grande parte de mim para os sonhos que eu acabava de sonhar, tão logo a luz começava a entrar no quarto. Acho que esse tormento matinal é o tufão dos meus sonhos me soprando aos ouvidos... 'cuidado com a certeza! cuidado com as convicções! cuidado com os dogmas! cuidado com as religiões!'.

A razão, por enquanto, sempre me toma de volta - isso é fato. Mas já não reina absoluta. Disputa cada palmo de mim com o irracional, com o ilógico, com o incorreto. Já há algum tempo assisto essa luta dentro de mim. Hora eu torço para um; outra eu cruzo os dedos para outro. Sinceramente, gostaria que um dia eles se entendessem e parassem de brigar. Acho um pouco difícil. Mas não desgosto em ver os dois brigando como crianças malcriadas, rebeldes. Como um pai que vê na luta entre os filhos um preparo para ambos enfrentarem o mau tempo do mundo, assisto a tudo com tranquila calma. Decidi, entretanto, já não aguardar um resultado final. Estou dizendo as coisas pra ver no que é que dá.

3 comentários:

  1. Essa caiu como uma luva hoje. Logo quando li, duas imagens me ocorreram: a de uma almofada me amortecendo e a de uma cama de faquir a me afligir. Algumas poucas certezas: meus sentidos estão aguçados; eu estou viva, embora esteja nesse momento com um humor da cor verde-oliva.

    Uma amiga [a mesma que protagonizou a conversa do Quatro Estações] me disse que se sentia como um mosaico, feita de pedacinhos de muitas pessoas. Tomei pra mim essa comparação, porque me sinto revigorada ao me reconhecer nas pessoas. Um tantinho aqui, outro tanto ali, vou conhecendo mais sobre mim mesma, redefinindo pensamentos e ressignificando experiências. Na seqüência, o mundo volta a fazer parte de mim. E eu volto a fazer parte do mundo. Mistura de prazer e dor que dá...

    Como não me recordar da conversa dessa "outra rara oportunidade semelhante"? Eu estava lá quando duas pessoas, com as quais tenho compartilhado pensações (e dentro delas, angústias) dos últimos tempos, falavam das suas. Eram conversas do "fundo do mar". Outrora não lhes dei ouvidos. Pouco tinha a dizer sobre os primeiros minutos do meu despertar.

    Hoje, lendo esse post, rio de mim mesma ao lembrar - e ter a cara-de-pau de registrar aqui - que certa madrugada deste ano, já muito sonolenta, disse a um amigo, meio de brincadeira: "ah, eu não quero dormir, não! Não quero dormir nunca mais. Não quero ter que acordar. Amanhã o mundo desaba sobre mim novamente."

    E vem tudo, de vez, logo quando abro os olhos. É...Literalmente, é "o abrir de olhos".

    Ainda não cheguei na base da calma. Outra amiga ontem mesmo me revelou que sonhara com alguém lhe dizendo: "você se equilibra em uma bola de soprar."

    Mas não largo meu otimismo. Dele não abro mão.

    Mesmo porque hoje consigo perceber como a razão em mim se faz mais forte, na medida em que já não ignoro como antes a volatilidade das coisas. O caos. Os acasos. As coincidências. O absurdo. A irracionalidade. Antes assim do que a estupidez de virar as costas pra tudo isso e achar que não se pode re-construir mais nada que seja válido para mim e para os outros.

    Por enquanto, essa intranqüilidade está servindo para alguma coisa. Vou seguindo, gostando mais de saber que adquiro novas tonalidades.

    [músicas. o que seríamos sem elas? Poema, de Cazuza. It's a long way, de Caetano. O patrão nosso de cada dia, sangue latino e primavera nos dentes, de Secos e Molhados.]

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  2. A sua sinceridade cai sempre como uma bomba [devastadora] neste lugar.

    Estou ouvindo Arrigo Barnabé para relaxar a mente e apaziguar minhas angústias acumuladas.

    Assisti oito e meio [de felini] ontem e ele caiu em cima de mim como a bigorna cai sobre a cabeça do coiote. E agora vem voce e joga uma geladeira [que desce o precipício num assobio em fade in] em cima da bigorna.

    É isso aí. Vamos assistir oito e meio outro dia? Eu vou assistir esse filma pra sempre agora.

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  3. Que encorajamento, meu jovem! E não é que foi bem apropriada essa comparação com o coiote? No final do episódio ele tá lá, vivinho da silva, não é mesmo? É isso aí.
    Olha, se realmente você voltou da experiência vivo, a ponto de dizer que vai assistir a esse filme pra sempre...Eu aceito o risco.
    [clichê da vez: na estrada, sem esperar a madrugada e faca amolada]

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